Teatro Radical


O Teatro Radical surgiu em julho de 1988, com a publicação de um artigo que escrevi para o jornal Correio Braziliense, de Brasília. A data é tão-somente um marco histórico, já que a criação de uma poética e de sua metodologia requer todo um processo que demanda tempo. Durante a década de 1980 eu viajei muito para o exterior, atuando como professor visitante, ator e pesquisador, em países de perfis variados, pertencentes aos chamados Primeiro e Terceiros Mundos. A partir, portanto, dos ângulos diversificados que as estadas nesses países economicamente desenvolvidos, subdesenvolvidos e em desenvolvimento me ensejaram, pude ter uma visão distanciada, crítica, não apenas da minha identidade antropológica mas também do povo e do teatro brasileiros. A vivência por um determinado período fora do Brasil me estimulou, assim, a fazer um diagnóstico sobre a minha prática teatral e a pensar um prognóstico para o teatro que eu gostaria de fazer.
A palavra radical tem dois significados: o de radicalidade e o de radicalismo. Minha pesquisa se interessa pela radicalidade tanto no sentido das raízes culturais do Homem brasileiro quanto no sentido do radicalismo do fenômeno teatral. O diagnóstico do artigo de julho de 1988 fazia, basicamente, duas constatações: a dissociação da formação do ator brasileiro com estudos sobre a nossa antropologia cultural e redução, pela pós-modernidade, do ator a um mero coadjuvante dos outros recursos expressivos do espetáculo. Essas constatações evidenciavam que havia toda uma nova geração de atores formada à margem de um conhecimento sobre a história da cultura brasileira e que, além do mais, o trabalho de ator não estava protagonizando a cena contemporânea. Advém daí essa minha busca pela radicalidade do teatro, até porque há uma tendência da pós-modernidade em defini-lo como uma arte multidisciplinar e me estimulava a idéia de tentar descobrir a sua transdisciplinaridade. O teatro, entendido aqui como a arte do ator, é transdisciplinar não porque aglutine várias linguagens mas porque ele é em si mesmo várias linguagens. O ator, agente definidor da fenômeno teatral, é por natureza transdisciplinar. Sua performance implica, por exemplo, música, literatura. Quando diz um texto em cena o ator não constitui tão-somente um meio, uma mera transposição da expressão literária para a fala. A própria emissão da fala, com seu ritmo, suas entonações etc cria uma sintaxe, uma semântica. Essas e outras problematizações vieram à tona no processo de pesquisa a que me dispus, a partir do final dos anos 80, e, então, a palavra radical me pareceu pertinente porque a poética teatral que eu propunha deveria propugnar pela reafirmação das raízes da cultura brasileira e pela redefinição do teatro como expressão artística independente.
Em resumo se pode dizer que o Teatro Radical representa não as situações dramáticas mas os conflitos fundamentais que geram as situações dramáticas. A proposta consiste em entendê-las como efeitos de uma causa e é esta causa que nos interessa dramatizar. Por isso pensamos o símbolo do radical em forma de um homem-árvore. São as raízes, os rizomas da árvore que absorvem os nutrientes da terra para substanciar folhas, flores, frutos, galhos, caules etc. Para nós há um conflito fundamental que embasa as situações dramáticas e, portanto, uma dialética que fundamenta a cena. Todo o nosso empenho se direciona, então, para a definição dessa dialética e sua tradução cênica em ações polarizadas, conflitantes, ambivalentes. Uma vez definido o que denominamos de ação fundamental da peça, entendemos esta ação como matriz de toda a encenação. Esse conjunto de gestos e movimentos matriciais vão sendo repetidos ao longo do espetáculo e ganhando nuanças de sentido no decorrer da repetição. Aplicamos o conceito de repetição criativa, ou seja, a ação se repete mas a repetição lhe acrescenta novos significados.